"Estas veias levaram sangue meu que poucas vezes vi, respirei o ar de tantas regiões sem guardar para mim uma amostra de nenhum e afinal de contas já o sabem todos: Ninguém leva nada de seu e a vida foi um empréstimo de ossos. O belo foi aprender a não se saciar da tristeza nem da alegria, esperar o talvez de uma última gota, pedir mais ao mel e às trevas.
Talvez fui castigado: Talvez fui condenado a ser feliz. Fique afirmado aqui que ninguém passou perto de mim sem me compartir. E que meti a colher até o cotovelo numa adversidade que não era minha, no padecimento dos outros.
Não se tratou de palma ou de partido, mas de pouca coisa: Não poder viver nem respirar essa sombra, com essa sombra de outros como torres, como árvores amargas que o enterram, como pancadas de pedra nos joelhos. A tua própria ferida se cura com pranto, a tua própria ferida se cura com canto, mas a tua porta mesmo se dessangra a viúva, o índio, o pobre, o pescado, e o filho do mineiro não conhece o seu pai entre tantas queimaduras.
Muito bem, mas o meu ofício foi a plenitude da alma: Um ai de gozo que te corta a respiração, um suspiro de planta derrubada ou o quantitativo da ação. Eu gostava de crescer com a manhã, embeber-me de sol, com pleno gozo de sol, de sal, de luz marinha e onda, e nesse avanço da espuma fundou meu coração seu movimento: Crescer com profundo paroxismo e morrer se derramando na areia."
PABLO NERUDA