29 novembro 2010

Sonento 90
Shakespeare

Odeia-me, portanto; agora, se é preciso:
Agora, em tudo, o mundo insiste em contrariar-me;
Não me causes mais tarde um súbito prejuízo,
Une-te logo à sorte cruel, vem humilhar-me.


Quando minha alma houver fugido ao meu tormento,
Não surjas no último escalão de dor vencida:
Não dês manhã de chuva à noite com seu vento,
A fim de prolongar derrota decidida
.

Se me deixares, não me deixes só no fim,
Quando se houver cumprido tanta dor menor;
Vem no primeiro ataque: eu sofrerei assim,
De plano, o que a fortuna oferecer de pior.


E outras formas de dor, que ora parecem dor,
Junto de tua perda não terão tal cor.


Voltar ao início
Trabalho de Amor Perdido
Mas o amor, primeiro aprendido em uns olhos de mulher,
Não vive sozinho fechado na cabeça,
Mas, com a agilidade de todos os elementos,
Corre com a rapidez de nossos pensamentos
E dá a cada faculdade dupla potência,
Acima de suas funções e seus ofícios.


Acrescenta preciosa visão aos olhos;
Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia;
Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som,
Que passa despercebido ao ladrão cauteloso:
O tato do amor é mais fino e sensível
Que as sensitivas antenas do caracol;
Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco.

Pela coragem, não é o amor um Hércules
Ainda galgando as árvores nas Hespérides?
Sutil como a Esfinge; doce e musical
Como o alaúde do brilhante Apolo,
Encordoado com seus cabelos;
E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses
Deixa os céus estonteados com a harmonia.

Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever
Até que sua tinta seja temperada pelos suspiros do Amor.